A quarentena inverteu algumas prioridades. Como transformei a mudança em aprendizado?

Marcelle Conceição
2 min readSep 25, 2020
Imagem: iStock

Por um momento eu pensei que minha quarentena não tivesse sido produtiva.

Não aprendi um novo idioma, não fiz todos aqueles cursos online gratuitos e à disposição, não fiz teleyoga. Não assisti aqueles filmes, sequer toquei nas páginas dos meus ensaios finais do mestrado, não apliquei para o trabalho dos sonhos.

Por um segundo momento, porém, lembrei que aprendi o que é comprar farinha de trigo no mercado e fazer bolinho de chuva. Aprendi a fazer pavê de limão, ganache de chocolate e brigadeirão em banho-maria. Aprendi o que é juntar pessoas que eu gosto em um fim de domingo e descobrir, juntos, como fazer massa de pastel. Aprendi a fazer café todos os dias para os meus amigos, só para que sintamos um cheirinho de casa. Aprendi a dar um cheirinho para uma casa.

Na quarentena eu aprendi também a deixar o outro livre nas minhas relações. Aprendi a olhar para as minhas relações e ver que eu nunca tinha aprendido a me relacionar. Aprendi a olhar para o meu passado, o mais distante passado, e identificar as dores que eu havia enterrado. Aprendi como elas explicam quem eu fui até aqui e estou, ainda, aprendendo sobre quem eu quero ser daqui pra frente.

Eu aprendi a cuidar de plantas, aprendi a cuidar dos panos-de-prato e de chão de uma casa, aprendi a organizar os armários da cozinha. Aprendi a cuidar de emoções atuais e antigas, e aprendi que é preciso comunicar ao outro o que sinto. Eu aprendi a olhar para o outro e saber que machuquei, da mesma forma que aprendi a olhar para mim mesma e saber que quem se machucou fui eu.

Eu aprendi a curar e a ser curada, e aceitei que está tudo bem jogar um jogo bobo com nomes de animais e esquecer os problemas com isso até 06h da manhã.

A quarentena veio para inverter prioridades, e qual a importância do que eu não fiz, diante de tudo o que eu fiz? Não posso dizer que não fui produtiva. Na verdade, o que eu aprendi abre as portas para, a partir de agora, fazer com mais sabedoria tudo aquilo que estava nos planos e eu adiei.

Devo, ainda, dar os créditos. Desta lista, parte dos aprendizados veio de mim, parte veio da terapia, e parte veio dos três boys que vivem comigo. A tarefa de distinguir quem me ensinou o quê, eu deixo para a imaginação daqueles que também ousarem inverter prioridades e abrir espaço para um novo modo de vida— mais simples e mais feliz.

--

--

Marcelle Conceição

From Belford Roxo, and here. I speak good words and write my heart out. Do you know what it means to be from Belford Roxo?